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  • Foto do escritorHeloisa Estellita

Receita Federal e Lavagem de Dinheiro

as novas regras da Receita para comunicação de suspeita de lavagem de dinheiro geraram controvérsia, à qual quero agregar duas reflexões.



A primeira diz respeito à necessidade de levarmos à sério o princípio da reserva de lei parlamentar (sim, de novo essa insistência). O CTN (lei complementar) instituiu o sigilo fiscal: “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades” (art. 198, caput). A divulgação dessas informações está autorizada, porém, quando realizada no bojo de representações fiscais para fins penais (§ 3, I). Essas representações só podem ser feitas em caso de suspeita de “crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)” (art. 83, Lei 9.430/1996). Fora dessas hipóteses legais, a divulgação de dados pela Receita viola o art. 198 do CTN e pode ser, inclusive, punida criminalmente. Em suma: autorização para divulgação de dados protegidos por sigilo só pode ser veiculada por lei. A lei que autoriza a divulgação se limita aos crimes especificados no art. 83, nem mais, nem menos. Portaria não é lei e, portanto, não pode criar novas hipóteses de afastamento do sigilo (ou, em outras palavras, agravar intervenção em direito fundamental).


A segunda diz respeito a um dos fundamentos do sigilo fiscal que, ao contrário do que pensam alguns, não é um privilégio para proteger "sonegadores". É esse sigilo que permite a convivência, num mesmo sistema jurídico, da regra do “non olet” e da do “nemo tenetur se detegere”. Na medida em que a lei exige que o contribuinte declare e tribute até mesmo o produto/proveito de crime ("non olet"), configurando a omissão dessa conduta a prática de crime (art. 1o, Lei 8.137/90), para evitar impasse normativo, um conflito direto, entre essas regras e aquela que proíbe que as pessoas sejam obrigadas produzir provas contra si mesmas em contextos sancionadores (“nemo tenetur se detegere”), estabelece-se o sigilo fiscal. Sob essa ótica, pode-se até pensar que o sigilo fiscal protege os interesses do Fisco.


Haveria outras formas de atenuar o conflito como, por exemplo, por meio de exceções previstas em lei e regras sobre valoração de prova, como se faz na Alemanha (AO 393). Mas essa é uma decisão que cabe ao legislador e que deveria ser precedida de reflexão e debate democrático. O que não dá para aceitar é que intervenções em direitos fundamentais sejam criadas por portarias.

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