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Quando o “Simples” fica complexo: crimes tributários e dosimetria da pena

  • Foto do escritor: Heloisa Estellita
    Heloisa Estellita
  • 2 de set.
  • 3 min de leitura

[Resumo da contribuição de Heloisa Estellita no evento “Direito Penal em Casos”, realizado pelo NuPP da FGV Direito SP, em 28/08/2025]


Um caso recente decidido pelo STJ ilustra como a aplicação do direito penal tributário pode se tornar surpreendentemente complexa. Trata-se de um agravo regimental em recurso especial referente ao Simples Nacional, envolvendo fatos do ano-calendário de 1998 e declaração entregue em 1999. O julgamento pelo STJ, no entanto, só ocorreu em 2023, o que reforça uma percepção incômoda: na prática, os crimes tributários podem ter prazo prescricional superior ao do homicídio.


Na origem, o caso se baseou na CPMF, utilizada como indicador indireto da movimentação financeira. A diferença entre o valor declarado e o montante movimentado levou à lavratura de cinco autos de infração: IRPJ, PIS, CSLL, Cofins e contribuição previdenciária. Para cada espécie tributária, imputou-se a prática de um crime, resultando em quatro crimes da Lei 8.137/90 e um crime do art. 337-A do Código Penal.


O Ministério Público Federal pediu a aplicação da causa de aumento do art. 12 da Lei 8.137, relativa ao “grave dano à coletividade”. O juiz, embora tenha reconhecido não haver definição legal clara sobre esse conceito, utilizou o mesmo raciocínio para majorar a pena na análise das consequências do crime, nos termos do art. 59 do Código Penal. Na dosimetria, considerou os cinco crimes em bloco, tomou como base o valor global dos autos de infração (com multas e encargos incluídos) e, ao final, aplicou novamente o concurso formal. O resultado foi uma pena final elevada, construída sobre valorações duplicadas.


Esse cenário revela um problema importante: a forma como se trata a reiteração nos crimes tributários. Obrigações tributária mensais tornam inevitável a repetição de condutas. Mas quando essa sequência configura crime único e quando dá origem a diversos delitos?

A jurisprudência do STF sobre o devedor contumaz, por exemplo, oscila: para alguns magistrados, três meses já bastam para caracterizar a contumácia; para outros, são necessários seis.


A consequência prática dessa indefinição pode ser alarmante.


Olhando para a Reforma Tributária e seguindo a lógica adotada pelo STJ, a futura CBS/IBS tem potencial de se tornar um mecanismo de proliferação de crimes. Cada declaração dolosamente inexata gerará, no mínimo, dois delitos — um para cada tributo, a seguir a lógica do STJ —, ou até três se considerados os diferentes patrimônios envolvidos. Em termos concretos, um contribuinte poderia responder por dezenas de crimes em apenas um ano de atividade.

Um olhar sobre o tratamento da matéria em outros países pode mostrar alternativas interessantes para enfrentar o problema. Em países como Espanha e Argentina, por exemplo, o critério utilizado é o montante evadido em determinado período, geralmente anual. Essa solução permite que, independentemente do número de declarações ou da fragmentação do sistema de obrigações acessórias tributárias, configure-se um único delito por exercício. Com isso, evita-se a proliferação de imputações penais e dá-se maior racionalidade ao sistema.

Talvez seja a hora de o Brasil seguir caminho semelhante. Fixar em lei um período de apuração penal — por exemplo, anual — reduziria a insegurança jurídica, impediria a multiplicação desproporcional de crimes e permitiria ao legislador tributário estruturar a arrecadação sem criar, inadvertidamente, um problema penal de grande relevância.

É sobre isso que estamos pensando no âmbito da pesquisa “Evasão Fiscal: uma proposta legislativa para debate”, desenvolvida por equipe no âmbito do NuPP/FGV Direito SP, no qual contamos com o apoio de Cecília Mello Advogados,  Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados e Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados.

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